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A Infocracia - a Crise da Comunicação e a Era da Desconfiança, por Byung-Chul Han

  • Foto do escritor: RockandRolla
    RockandRolla
  • 11 de set. de 2022
  • 4 min de leitura

A embriaguez da comunicação, que agora assume formas aditivas e compulsivas, mantém as pessoas numa nova incapacitação.


É necessária uma fenomenologia da informação para se obter uma compreensão mais profunda da Infocracia, da crise da democracia no regime de informação. Esta crise já começa a nível cognitivo. A informação tem uma margem de atualidade muito reduzida. Falta-lhe a estabilidade temporal, pois vive do “estímulo de surpresa”. Devido a essa instabilidade temporal, fragmenta a perceção. Destrói a realidade, tornando-a um “permanente frenesim da atualidade”. Não é possível determo-nos na informação. Portanto, ela cria agitação no sistema cognitivo.


O impulso para a aceleração, inerente à informação, reprime práticas cognitivas morosas como o saber, a experiência e o conhecimento.

Em virtude da sua margem de atualidade reduzida, a informação atomiza o tempo. Este desagrega-se numa simples sucessão de presentes pontuais, nos quais a informação se distingue da narrativa, que gera uma continuidade temporal. Uma temporalidade incompatível com uma comunicação acelerada e fragmentada é inerente ao discurso. Trata-se de uma prática morosa. Morosa é também a racionalidade. As decisões racionais são tomadas a longo prazo. Antecede-as uma reflexão que se prolonga para além do momento, em direção ao passado e ao futuro. Este prolongamento temporal distingue a racionalidade.


Na sociedade da informação, simplesmente não dispomos de tempo para a ação racional. A coação para a comunicação acelerada priva-nos da racionalidade.

A racionalidade discursiva também está hoje ameaçada pela comunicação afetiva. Deixamo-nos afetar demasiado por informações que se sucedem rapidamente. Os afetos são mais rápidos que a racionalidade. Numa comunicação afetiva, o que prevalece não são os melhores argumentos, mas a informação com maior potencial de provocar excitação. Assim, as fake news suscitam mais atenção que os factos.


A par dos problemas que acompanham a mudança de estrutura digital na esfera pública, existem processos sociais que são responsáveis pela crise da ação comunicativa. Segundo Hannah Arendt, o pensamento político é “representativo” no sentido em que “o pensamento dos outros está sempre presente”. A representação como presença do outro na formação da opinião própria é constitutiva da democracia como prática discursiva: “Formo uma opinião, considerando um determinado assunto de diversos pontos de vista, tendo em mente as opiniões dos ausentes; e assim represento-os.” No discurso, o outro desvia-nos, em sentido positivo, das nossas convicções. Só a voz do outro confere uma qualidade discursiva à minha declaração, à minha opinião. Na ação comunicativa tenho de ter presente a possibilidade de a minha declaração ser posta em causa pelo outro. O outro está em vias de desaparecimento. O desaparecimento do outro significa o fim do discurso.


O Novo Niilismo.

Este não se deve ao facto de os dogmas religiosos ou os valores tradicionais terem perdido a validade. Já ultrapassamos esse niilismo dos valores. O novo niilismo é um fenómeno do século XXI. Insere-se nas rejeições patológicas da sociedade da informação. Surge quando perdemos a fé na própria verdade. Na era das fake news, da desinformação e das teorias da conspiração perde-se a realidade com as suas verdades fácticas. [...] A crise da verdade difunde-se quando a sociedade se desintegra em grupos ou tribos, entre os quais já não é possível qualquer entendimento, qualquer designação vinculativa das coisas. Na crise da verdade perde-se o mundo comum e mesmo a língua comum. A verdade é um regulador social, uma ideia reguladora da sociedade.


Por outro lado, as tribos digitais tornam possível uma forte experiência de identidade e pertença. Para elas, a informação não representa um recurso do saber, mas da identidade. [...] As tribos digitais isolam-se, ao mesmo tempo que selecionam a informação por iniciativa própria e a utilizam para a sua política de identidade. São plenamente confrontadas na sua infobolha com realidades e factos que contradizem as suas convicções. Mas limitam-se a ignorá-los, pois não encaixam na narrativa em que assenta a identidade, uma vez que abdicar das convicções equivale a uma perda de identidade, que é preciso evitar a todo o custo. Por isso, os coletivos de identidade tribalistas rejeitam todo o discurso, todo o diálogo.


O entendimento já não é possível. A opinião que exprimem não é discursiva, mas sagrada, pois coincide totalmente com a sua identidade, da qual não podem abdicar.

Na ação comunicativa, cada participante reclama validade. Se esta não for aceite pelo outro, tem lugar um debate. Este é um ato comunicativo que tenta alcançar um entendimento face a reclamações de validade divergentes. É efetuado com base em argumentos com os quais se justificam ou rejeitam as reclamações de validade. À racionalidade inerente ao discurso dá-se o nome de racionalidade comunicativa.


A crise da verdade abala a própria crença nos factos. As opiniões podem divergir fortemente umas das outras. Mas são legítimas, na medida em que “respeitarem a verdade dos factos a que se referem”. Por seu lado, a liberdade de opinião converte-se numa farsa, quando perde qualquer relação com a realidade e com a verdade dos factos.


A informação, por si só, não explica o mundo. A partir de um ponto crítico obscurece-o.

Opomo-nos fundamentalmente à informação com a suspeita de que também podia ser de outro modo. É acompanhada por uma desconfiança de fundo. Quanto mais somos confrontados com diferentes informações, mais forte se torna a desconfiança. Na sociedade da informação perdemos a confiança básica. É uma sociedade da desconfiança.


[Excertos retirados da obra Infocracia de Byung-Chul Han, Relógio de Água, 2022]

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