Literatura, Solidão, Sociedade, Medo e Cinismo [por David Foster Wallace]
- RockandRolla
- 18 de jan. de 2021
- 2 min de leitura
Atualizado: 22 de fev. de 2021

"Mas, tipo, para onde é que olhamos quando dizemos a uma pessoa que gostamos dela e estamos a falar a sério? Não podemos olhar directamente para essa pessoa porque, nesse caso, o que aconteceria se os olhos dela olhassem para nós quando os nossos olhos estão a olhar para os dela e houvesse uma troca de olhares quando as palavras nos saíssem da boca? Depois ficava ali a pairar entre os dois uma espécie de voltagem ou energia horrorosas. Mas também não podemos desviar o olhar como se estivéssemos nervosos, como um miúdo todo nervoso a convidar alguém para sair ou uma coisa assim. Não podemos andar por aí a revelar esse género de coisas íntimas."
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"Nem sequer consegue olhar F.F. Nos olhos, sentado na fila dos Crocodilos, enquanto diz que naquele momento a mera ideia de um Deus compreensivo o faz vomitar de medo. Uma coisa que não se pode tocar nem ouvir nem ver: muito bem. Está bem. Mas uma coisa que nem sequer se possa sentir? Porque é isso que ele sente quando tenta compreender uma coisa à qual rezar com sinceridade. O Nada. Diz que quando tenta rezar consegue ver uma espécie de imagem mental das ondas das suas orações a subir e a subir sem que ninguém as detenha, indo, indo e irradiando no espaço e sobrevivendo-lhe e indo, mas sem nunca chocar com alguma coisa no exterior é muito menos com alguma coisa que tenha ouvidos. E muito, muito menos contra alguma coisa que tenha ouvidos e se importe. Sente-se indignado e envergonhado por estar a falar disto em vez de mostrar como é bom conseguir passar mais um dia sem ingerir uma substância, mas as coisas são assim mesmo. É isto que se está a passar."
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"Hal, que é vazio, mas não é estúpido, teoriza em privado que aquilo que passa por transcendência cínica modernista do sentimento é, na realidade, uma espécie de medo de se ser realmente humano, uma vez que ser-se realmente humano é, talvez, ser-se inevitavelmente sentimental e ingénuo, dado à pieguice e, de um modo geral, patético, é ser-se, numa qualquer forma interior básica, eternamente infantil."
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"Ensinam-nos a construir máscaras de tédio e de ironia fatigada numa idade jovem em que o rosto é suficientemente maleável para assumir a forma do que for que ostente. E depois fica lá colado, o cinismo cansado que nos salva do sentimentalismo piegas e da ingenuidade pura. Neste continente, o sentimento equivale a ingenuidade (pelo menos, desde a Reconfiguração)."
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"Entramos na puberdade espiritual quando percebemos que o grande horror transcendente é a solidão, o enjaulamento no próprio eu."
[Excertos retirados da obra "A Piada Infinita" de David Foster Wallace]
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