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Como é que a Google descobriu que podia dominar o mundo? [por Shoshana Zuboff]

  • Foto do escritor: RockandRolla
    RockandRolla
  • 10 de mar. de 2021
  • 3 min de leitura

Atualizado: 7 de set. de 2021


"A declaração do estado de exceção funciona na política como cobertura para a suspensão do estado de direito e para a intrusão de um novo poder executivo justificado pela crise. Na Google, em finais de 2000, tornou-se o racional que anularia o relacionamento recíproco existente, até então, entre a empresa e os utilizadores, e preparou os fundadores para abandonarem a sua oposição pública e fervorosa à publicidade. Respondendo especificamente à ansiedade dos investidores, atribuíram assim à pequena equipa AdWords o objetivo de encontrar formas de obter mais dinheiro.


Do ponto de vista operacional, isto significa que a Google aplicaria o seu manancial crescente de dados comportamentais, capacidade computacional e saber à simples tarefa de enquadrar os anúncios nas pesquisas. Uma nova retórica apoderou-se desta manobra invulgar e legitimou-a. A publicidade teria de ser «relevante» para os utilizadores. Os anúncios deixariam de estar relacionados com as palavras-chaves da pesquisa, mas «direcionariam» um determinado anúncio para um determinado indivíduo.


O estado de exceção declarado pelo Google era o cenário em 2002, o ano de charneira no qual o capitalismo da vigilância se enraizou. A avaliação empresarial do excedente comportamental cruzou novo patamar em abril desse ano, quando a equipa do histórico de dados entrou no escritório, uma manhã, e descobriu que esta frase peculiar ascendera ao topo das pesquisas: «Nome de solteira de Carol Brady.» Porquê o súbito interesse numa personagem televisiva dos anos 1970? Foi Amit Pattel, cientista de dados e membro da equipa do histórico de dados, que recordou o acontecimento ao New York Times, salientando: «Só percebemos se soubermos o que se passa no mundo.»


A equipa tentou solucionar o enigma. Inicialmente, descobriram que o padrão das perguntas acontecera em cinco picos diferentes, começando aos quarenta e oito minutos de cada hora. Depois descobriram que o padrão das perguntas ocorria durante a transmissão do programa popular de TV Quem Quer Ser Milionário? Os picos refletiam os fusos horários sucessivos em que o programa ia sendo transmitido, terminando no Havai. Em cada fuso horário, o apresentador do programa fazia a pergunta sobre o nome de solteira de Carol Brady, e em cada fuso horário as pesquisas inundavam de imediato os servidores da Google.


O New York Times relatou: «A precisão dos dados da Carol Brady abriu os olhos para algumas pessoas.» Mesmo Brin ficou atónito pela clareza do poder preditivo do Search, revelando eventos e tendências antes de «chamarem a atenção» dos meios de comunicação tradicionais. Conforme disse ao Times, «foi como experimentar um microscópio de eletrões pela primeira vez. Tal como um barómetro que medisse cada instante». O Times disse que os líderes da Google estavam relutantes em partilhar ideias sobre formas de comercializar as grandes quantidades de dados. Um deles confidenciou: «Estes dados abrem-nos grandes oportunidades».


As inúmeras patentes registadas pela Google nos primeiros anos ilustram a explosão de descobertas, invenções e complexidades detonada pelo estado excecional que deu azo a inovações cruciais e a uma determinação empresarial no sentido de melhorar a captação do excedente comportamental. Entre estes esforços, concentro-me aqui numa patente submetida em 2003 por três dos principais cientistas informáticos da empresa, intitulada «gerar informação dos utilizadores para uso em publicidade direcionada».


Por outras palavras, a Google não se limitaria a minar os dados comportamentais apenas para melhorar o serviço aos utilizadores, mas para lhes ler a mente, com o intuito de encontrar os anúncios mais adequados aos seus interesses, sendo estes interesses deduzidos a partir dos traços colaterais do comportamento online. Com o acesso único da Google aos dados comportamentais, seria agora possível conhecer o que um dado indivíduo num dado lugar e tempo pensava, sentia e fazia. Que isto já não nos parecesse espantoso, nem sequer digno de menção, evidencia o profundo torpor psíquico que nos deixa adormecidos perante as transformações ousadas e inéditas dos métodos capitalistas."


«A publicidade sempre foi um jogo de adivinhação: arte, relações, senso comum, prática corrente, mas nunca uma «ciência». A ideia de conseguir entregar uma mensagem específica a uma pessoa específica, no momento preciso em que terá maior probabilidade de influenciar o comportamento desta, era, e sempre fora, o Santo Graal da publicidade.»

[Excertos retirados da obra "A Era do Capitalismo da Vigilância" de Shoshana Zuboff]


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