Manifesto Anti-Racismo ou Certas Merdas que os Brancos Deviam Saber [por Chimamanda Adichie]
- RockandRolla

- 18 de fev. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 2 de mar. de 2021

"Caros Americanos que Não são Negros, se um negro americano vos estiver a falar sobre uma experiência vivida como negro, por favor não se apressem a trazer à baila exemplos da vossa própria vida. Não digam: «É tal e qual como quando eu...» Vocês sofreram. Toda a gente no mundo já sofreu. Mas não sofreram por serem negros americanos. Não se apressem a arranjar explicações alternativas para o que aconteceu.
Não digam: «Oh, não é realmente uma questão de raça, é uma questão de classe. Oh, não é a raça, é o sexo. Oh, não é a raça, é o monstro das bolachas.» É que, sabem, os Negros Americanos na verdade não QUEREM que seja a raça. Preferiam que não acontecessem medas racistas. Por isso, quando eles dizem que algo tem a ver com a raça, talvez seja porque tem.
Não digam: «Eu não distingo cores» porque se são daltónicos então precisam de ir ao médico e quer dizer que usando mostram um negro na televisão como suspeito de um crime no vosso bairro, tudo o que vocês veem é uma figura esfumada arroxeada-acinzentada-creme.
Não digam: «Estamos fartos de falar sobre a questão da raça» ou «A única raça é a raça humana». Os Negros Americanos também estão fartos de falar de raça. Gostavam de não ter de o fazer. Mas continuam a acontecer merdas. Não prefaciem a vossa reação com «Um dos meus melhores amigos é negro», porque não faz qualquer diferença e ninguém quer saber e pode-se ter um melhor amigo negro e mesmo assim fazer merdas racistas, é provavelmente nem é verdade, a parte do «melhor», não a parte do «amigo».
Não digam que o vosso avô era mexicano e que por isso não podem ser racistas (por favor cliquem aqui para lerem mais sobre Não Há uma Liga Unida dos Oprimidos). Não tragam à baila o sofrimento dos vossos avós irlandeses. É claro que eles foram vítimas de muitas merdas por parte da sociedade americana. Assim como os Italianos. Assim como os Europeus de Leste. Mas havia uma hierarquia. Há cem anos as etnias brancas odiavam ser odiados, mas era de algum modo tolerável, porque pelo menos os negros estavam abaixo delas na escala.
Não digam que o vosso avô era servo na Rússia quando existia escravatura, porque o que interessa é que são americanos agora e ser americano significa assumir a tralha toda, as coisas boas da América e as dívidas da América, e a segregação racial é uma dívida do caraças. Não digam que é tal e qual como o antissemitismo. Não é. No ódio aos judeus, há também a possibilidade de inveja – eles são tão espertos, estes judeus, eles controlam tudo, estes judeus – e tem de se reconhecer que um certo respeito, por mais relutante que seja, acompanha essa inveja – eles são tão preguiçosos, estes negros, eles são tão pouco inteligentes, estes negros.
Não digam: «Oh, o racismo acabou, a escravatura foi há tanto tempo.» Estamos a falar de problemas dos anos 1960, não de 1860. Se encontrarem um negro idoso do Alabama, provavelmente ele lembrar-se-á de quando tinha de descer o passeio por ir a passar um branco. Eu comprei um vestido numa loja vintage do eBay no outro dia, feito em 1960, em perfeito estado e uso-o muito. Quando a sua proprietária original o usava, os Negros Americanos não podiam votar, porque eram negros. (E talvez a proprietária original do vestido fosse uma daquelas mulheres, nas famosas fotografias a sépia, paradas em hordas à porta de escolas a berrarem «Macacos!» às crianças negras, porque não queriam que elas fossem para a escola com os seus filhos brancos. Onde estarão essas mulheres agora? Dormirão bem? Pensarão em berrar «Macacos!»?)
Finalmente, por favor não adotem um tom de Sejamos Justos e não digam «Mas os negros também são racistas». Porque todos nós somos preconceituosos (eu nem sequer suporto alguns dos meus parentes, gente gananciosa e egoísta), mas o racismo tem a ver com o poder de um grupo e na América são os brancos que têm esse poder. Como? Bem, os brancos não são tratados como uma merda nas comunidades afro-americanas da classe alta e aos brancos não são negados empréstimos bancários ou hipotecas precisamente por serem brancos e os jurados brancos não impõem a criminosos brancos sentenças mais pesadas do que a criminosos negros pelo mesmo crime e os polícias negros não mandam parar brancos na estrada e as empresas, tanto de brancos como de negros, não optam por não contratar alguém porque o seu nome é de branco e os professores negros não dizem a miúdos brancos que eles não são suficientemente inteligentes para serem médicos e os políticos negros não experimentam uns truques para reduzir o poder de voto de gente branca por meios duvidosos e as agências de publicidade não dizem que não podem usar brancos para anunciar produtos de luxo porque eles não são considerados modelos a que «aspirar» pela «maioria».
Então, depois desta lista do que não fazer, o que fazer? Não tenho a certeza. Tentar escutar, talvez. Ouvir o que está a ser dito. E recordar que não é uma acusação pessoal. Os Negros Americanos não estão a dizer-vos que a culpa é vossa. Estão só a dizer o que se passa. Se não compreenderem façam perguntas. Se não se sentem à vontade para fazer perguntas, digam que não se sentem à vontade para fazer perguntas e façam-nas na mesma. É fácil distinguir quando uma pergunta é bem-intencionada. E depois escutem um pouco mais. Por vezes as pessoas só querem sentir que são ouvidas. Um viva às possibilidades de amizade e de ligação e de compreensão."
[Exceto retirado da obra “Americanah” de Chimamanda Adichie]






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