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O dia em que a América matou bin Laden, por Barack Obama

  • Foto do escritor: RockandRolla
    RockandRolla
  • 7 de set. de 2021
  • 5 min de leitura

Só cerca das seis da tarde, depois de os helicópteros pousarem em segurança em Jalalabad, é que senti que alguma da tensão começava a desaparecer. Por videoconferência, um pouco mais tarde, McRaven explicou que estava naquele momento a olhar para o cadáver e que, na sua opinião, era sem dúvida Osama Bin Laden; o software de reconhecimento facial da CIA depressa indicaria o mesmo. Para melhor confirmação, McRaven mandou um elemento da sua equipa que media um metro e oitenta e oito deitar-se ao lado do cadáver, para comparar a altura com a de Osama Bin Laden.

– A sério, Bill? – perguntei-lhe, em tom de brincadeira. – Tanto planeamento e não levou uma fita métrica?

Foi a primeira coisa descontraída que disse o dia inteiro, mas os risos não duraram muito, pois dali a pouco foram passadas fotografias do cadáver de Osama Bin Laden à volta da mesa de reuniões. Olhei rapidamente para elas; era ele. Apesar das provas, Leon e McRaven referiram que não poderíamos ter a certeza absoluta enquanto não tivéssemos os resultados dos testes de ADN, o que demoraria mais um ou dois dias. Debatemos a possibilidade de adiar um anúncio oficial, mas já começavam a surgir na Internet relatos da queda de um helicóptero em Abbottabad. Mike Mullen tinha ligado para o chefe do Estado-Maior do Exército paquistanês, o general Ashfaq Parvez Kayani, e, embora a conversa tivesse sido educada, Kayani pedira que esclarecêssemos a incursão e o seu alvo o mais depressa possível para poder ajudar o seu pessoal a gerir a reação do público paquistanês. Sabendo que não seria possível adiar a notícia mais vinte e quatro horas, fui para cima com Bem, para lhe comunicar rapidamente as minhas ideias sobre o que diria à nação, mais tarde nessa noite. [...]

De novo na Ala Ocidental, sentei-me com Ben a dar os últimos retoques nas minhas declarações. Tinha-lhe dado uns tópicos genéricos. Queria recordar a angústia partilhada do 11 de Setembro, disse-lhe, e a união que todos tínhamos sentido nos dias seguintes. Queria saudar não apenas os envolvidos nessa missão, mas todos os elementos da nossa comunidade militar e dos Serviços Secretos, que continuavam a sacrificar tanto para nos manter em segurança. Queria reiterar que a nossa luta era contra a al-Qaeda, e não contra o islão. E queria terminar lembrando ao mundo e a nós mesmos que a América faz o que se propõe fazer – que, enquanto nação, ainda éramos capazes de alcançar grandes coisas.

Como sempre, Ben tinha pegado nos meus pensamentos soltos e elaborado um bom discurso em menos de duas horas. Eu sabia que este era mais importante para ele do que a maioria, pois a experiência de ver as Torres Gémeas colapsarem mudou a trajetória da sua vida, levando-o para Washington com uma forte determinação de fazer a diferença. Trouxe de volta as minhas lembranças daquele dia: Michelle acabara de levar Malia para o seu primeiro dia no infantário; eu junto do edifício do Estado do Ilinóis, na baixa de Chicago, a sentir-me preocupado e inseguro depois de lhe ter garantido, ao telefone que ela e as miúdas ficariam bem; Sasha, com três meses, a dormir no meu peito mais tarde, nessa noite, enquanto eu estava sentada às escuras a ver os noticiários e a tentar entrar em contacto com amigos em Nova Iorque. Não menos que o de Ben, o meu próprio rumo na vida tinha sido fundamentalmente alterado por aquele dia, de modos que na altura não podia ter previsto, desencadeando uma cadeia de acontecimentos que de alguma forma levariam a este momento. [...]

Mesmo depois de o júbilo ter acalmado, todos nós na Casa Branca sentimos uma mudança palpável na disposição do país, nos dias a seguir à incursão em Abbottabad. Pela primeira e única vez na minha presidência, não tivemos de promover o que tínhamos feito. [...] Eu ainda tinha decisões para tomar, incluindo se deveria tornar públicas as fotografias do cadáver de Osama bin Laden. (Decidi-me por não o fazer: disse à minha equipa que não precisávamos de nos exibir nem de expor o troféu macabro, e não queria que a imagem de Osama bin Laden alvejado na cabeça se tornasse motivo de reagrupamento para extremistas.) Ainda tínhamos de consertar à pressa as relações com o Paquistão. Embora os documentos e os ficheiros de computador apreendidos no complexo se tenham revelado um tesouro de informações, confirmando que Osama bin Laden continuara a desempenhar um papel crucial no planeamento de ataques aos Estados Unidos, bem como a enorme pressão que tínhamos conseguido colocar na sua rede ao apanharmos os seus líderes, nenhum de nós acreditou que a ameaça da al-Qaeda tivesse chegado ao fim. [...]

Entretanto, os milhares de famílias que tinham perdido entes queridos nos atentados de 11 de Setembro compreenderam o que tínhamos feito em termos mais pessoais. No dia a seguir à operação, o meu lote diário de dez cartas de eleitores continha um e-mail impresso de uma jovem chamada Payton Wall, que tinha quatro anos na altura dos ataques e estava agora com catorze. Ela explicou que o pai se encontrava numa das Torres Gémeas e tinha telefonado para falar com ela antes de o edifício se desmoronar. Escreveu que fora atormentada a vida inteira pela memória da voz do pai e pela imagem da mãe a chorar ao telefone. Apesar de nada poder mudar o facto da sua ausência, queria que eu e as pessoas que tinham estado envolvidas no ataque soubéssemos como era importante para ela e para a sua família que a América não o tivesse esquecido.

Sentado sozinho na Sala do Tratado, reli algumas vezes aquele e-mail, com os olhos toldados de emoção. Pensei nas minhas filhas e no quanto a perda da mãe ou do pai as magoaria. Pensei nos jovens que se tinham alistado nas forças armadas depois do 11 de Setembro, determinados a servir a nação, fosse qual fosse o sacrifício. E pensei nos pais dos que tinham sido feridos ou mortos no Iraque e no Afeganistão – as mães com Medalhas de Honra que Michelle e eu tínhamos consolado, os pais que me mostraram fotografias dos filhos que tinham partido. Senti um profundo orgulho nos homens que tinham feito parte da missão. Desde os SEALs até aos analistas da CIA que tinham encontrado o caminho até Abbottabad, aos diplomatas que se tinham preparado para gerir as repercussões, ao tradutor americano-paquistanês que permanecera do lado de fora do complexo a afastar vizinhos curiosos enquanto decorria a incursão – todos tinham trabalhado juntos sem parar e de forma altruísta, sem fazerem caso de créditos ou influências ou preferências políticas, para alcançarem um objetivo partilhado.

Com estes pensamentos veio outro: seria aquela comunhão de esforço, aquela noção de meta comum, apenas possível quando o objetivo envolvia matar um terrorista? A questão importunava-me. Apesar de todo o orgulho e satisfação com o sucesso da nossa missão em Abbottabad, a verdade é que não tinha sentido a mesma exuberância que sentira na noite em que a lei dos cuidados de saúde fora aprovada. Dei por mim a imaginar como poderia ser a América se conseguíssemos mobilizar o país para que o nosso Governo usasse o mesmo nível de mestria e determinação que usara para apanhar Osama bin Laden na educação das crianças ou em dar um teto aos sem-abrigo; se conseguíssemos aplicar a mesma persistência e recursos para diminuir a pobreza ou reduzir os gases com efeito de estufa ou garantir que todas as famílias tinham acesso a infantários decentes. Eu sabia que a minha equipa descartaria estas ideias, considerando-as utópicas. E o facto de ser assim, o facto de já não conseguirmos imaginar-nos a unir o país à volta de alguma coisa a não ser impedir ataques e derrotar inimigos externos, fez-me ver como a minha presidência ainda estava aquém do que eu queria que fosse – e o trabalho que me faltava fazer.

[Excertos retirados da obra “Uma Terra Prometida” de Barack Obama]


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