O Lado Bom do Sofrimento, por David Brooks
- RockandRolla
- 6 de set. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 7 de set. de 2021

Quando a maioria das pessoas pensa no futuro, sonha com formas de viver com felicidade. No entanto, reparem neste fenómeno: quando as pessoas recordam os momentos cruciais que as formaram, não costumam falar de felicidade. São normalmente as provações que parecem mais significativas. A maioria das pessoas aspira à felicidade, mas sente-se formada através do sofrimento.
Para a maioria das pessoas, não existe nada de intrinsecamente nobre no sofrimento. Tal como o fracasso por vezes não passa de fracasso, o sofrimento por vezes é destrutivo, algo a abandonar ou medicar assim que possível. Quando não está associado a um propósito superior que nos transcende, o sofrimento diminui ou anula as pessoas. Quando não o entendemos como parte de um processo mais amplo, conduz à dúvida, ao niilismo e ao desespero.
Porém, algumas pessoas conseguem associar o seu sofrimento a um desígnio superior. Encaram o seu padecimento como solidariedade para com todos aqueles que sofreram. Tornam-se claramente mais nobres por essa via.
Não é o sofrimento em si que que faz toda a diferença, mas a forma como é vivido. Muitas vezes, o sofrimento físico ou social concede-nos uma perspetiva externa, uma consciência precisa do que os outros sentem.
O primeiro grande efeito do sofrimento é arrastar-nos ainda mais para o nosso interior. O sofrimento revela locais remotos de dor que estavam escondidos. Expõe experiências assustadoras que haviam sido reprimidas e erros vergonhosos cometidos no passado. Conduz algumas pessoas a examinarem dolorosa e cuidadosamente a cave da sua alma.
Contudo, também proporciona a sensação agradável de que estamos mais próximos da verdade. O prazer do sofrimento é o facto de nos sentirmos abaixo do superficial e mais próximos do fundamental. Cria aquilo a que os psicólogos modernos chamam um «realismo depressivo», uma capacidade de ver o mundo exatamente como é. Destrói as racionalizações reconfortantes e as narrativas consoladoras que criamos sobre nós mesmos como parte do nosso modo de nos simplificarmos para o mundo.
Além disso, o sofrimento concede-nos igualmente um sentido mais apurado das nossas limitações, do que podemos controlar. Quando as pessoas entram nessas zonas profundas, num autoexame solitário, são forçadas a confrontar o facto de não conseguirem determinar o que lá se passa.
O sofrimento, à semelhança do amor, destrói a ilusão de que dominamos a nossa vida. Quem sofre não pode dizer a si mesmo para parar de sentir dor, ou para parar de sentir saudade de quem faleceu ou partiu. E mesmo quando a tranquilidade começa a regressar, ou nos momentos em que o desgosto abranda, a origem desse alívio não é evidente. O processo de recuperação também parece fazer parte de um processo natural ou divino que transcende o nosso controlo.
Recuperar do sofrimento não é como recuperar de uma doença. Muitas pessoas não acabam curadas – acabam diferentes. Veem estilhaçar-se a lógica do interesse pessoal e comportam-se paradoxalmente. Em vez de evitarem os compromissos sentimentais que costumam conduzir ao sofrimento, empenham-se mais a fundo neles. Mesmo quando passam pelas consequências piores e mais lacerantes, algumas pessoas redobram a sua vulnerabilidade e tornam-se disponíveis para o amor reabilitante. Empenham-se mais profundamente e com maior gratidão na sua arte, nos entes queridos, e nos seus compromissos.
Deste modo, o sofrimento torna-se uma dádiva temerosa, muito diferente daquela outra dádiva convencionalmente definida – a felicidade. A felicidade traz o prazer, mas o sofrimento cultiva o caráter.
[Excerto retirado da obra "O Caminho Para o Caráter" de David Brooks]
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