O Lado Mau do Amor, por David Brooks
- RockandRolla
- 7 de set. de 2021
- 3 min de leitura

Se observarmos o amor na sua fase mais apaixonada, veremos que muitas vezes resulta em aspetos fundamentais que reorientam a alma. Em primeiro lugar, humilha-nos. Recorda-nos que nem sequer temos controlo sobre nós mesmos. Na maioria dos mitos e histórias das culturas e civilizações, o amor é descrito como uma força externa – um deus ou um demónio – que surge e coloniza uma pessoa, reestruturando todo o seu interior. É Afrodite ou o Cupido. O amor é descrito como uma loucura deliciosa, um fogo intenso, um frenesim celestial. Não edificamos o amor, somos vítimas dele, perdemos o controlo. É algo de primordial e, simultaneamente, algo distintamente nosso, entusiasmante e aterrador, uma força galvanizadora que não podemos prever, agendar ou determinar.
O amor é como um exército invasor que nos lembra que não somos senhores da nossa própria casa. Conquista-nos aos poucos, reorganiza os nossos níveis energéticos, os nossos padrões de sono, os nossos tópicos de conversa e, no final do processo, altera os objetos do nosso desejo sexual e até o foco da nossa atenção. Quando estamos apaixonados não coseguimos parar de pensar no ente amado. Andamos no meio de uma multidão e pensamos vislumbrar a silhueta familiar dessa pessoa a cada meia dúzia de metros. Oscilamos entre altos e baixos, e sofremos com desconsiderações, conscientes de que são provavelmente triviais ou ilusórias. O amor é o tipo de exército mais forte, pois não gera resistência. Ainda a invasão está apenas meio consumada e a pessoa invadida já anseia pela derrota, com receio, mas incontrolavelmente, sem reservas.
O amor é uma rendição. Expomos as nossas vulnerabilidades mais profundas e desistimos das nossas ilusões de autocontrolo. O amor aprofunda-se com à vontade que cada pessoa tem de ser vulnerável, e aprofunda essa vulnerabilidade. Funciona porque cada pessoa expõe a sua nudez e a outra apressa-se a equipará-la. «Serás amado no dia em que fores capaz de de demonstrar a tua fraqueza sem que a outra pessoa a utilize para reafirmar a sua força», escreveu o romancista italiano Cesare Pavese.
Em seguida, o amor descentra o ego. O amor leva-nos a abandonar o nosso estado natural de amor-próprio. O amor torna as outras pessoas mais relevantes do que somos para nós mesmos.
Uma pessoa apaixonada pode pensar que procura a felicidade pessoal, mas é uma ilusão – na verdade procura a união com o outro. Estar apaixonado é sentir centenas de pequenas emoções sucessivas que nunca havíamos sentido daquela forma antes, como se outra metade da nossa vida se abrisse à nossa frente pela primeira vez: um frenesim de admiração, esperança, dúvida, possibilidade, medo, êxtase, ciúme, dor, etc.
O amor é submissão, e não decisão. O amor exige que nos rendamos poeticamente a um poder inexplicável sem considerarmos os custos. O amor exige que abandonemos o nosso pensamento condicional e entreguemos o nosso amor em plena força, sem o contabilizar.
Não nos apaixonamos pela pessoa que nos pode ser mais útil (pela mais rica, mais popular, com mais contactos ou com melhores perspetivas de carreira). Apaixonado-nos pela pessoa em si, sem nenhum outro motivo para além de uma harmonia interior, inspiração, alegria e positividade, por ele ou ela serem quem são. Além disso, o amor não procura o caminho mais eficiente, o mais seguro. Por um qualquer motivo perverso, o amor alimenta-se de obstáculos e não se conquista normalmente pela prudência. Podem tentar dizer a duas pessoas apaixonadas que não deveriam casar, pois a sua união não será feliz. Porém, os amantes que estão presos num pensamento mágico não veem o mesmo que os outros, e o mais provável será não mudarem de ideias, mesmo que pudessem, pois preferem ser infelizes juntos do que felizes separados. Estão apaixonados, não estão a investir em ações e é o temperamento poético que norteia os seus atos. O amor é um estado de necessidade poética – existe num plano simultaneamente superior e inferior ao da lógica e do calculismo.
[Excertos retirados da obra “O Caminho para o Caráter” de David Brooks]
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