A diferença entre Negros Não Americanos e Afro-Americanos [por Chimamanda Adichie]
- RockandRolla
- 16 de fev. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 2 de mar. de 2021

«Uma voz feminina firme, vinda do fundo da sala, com sotaque não americano, disse: - Porque é que «preto» foi substituído por um bip? E um suspiro coletivo, como uma brisa, varreu a sala. - Bem, isto era uma gravação de um canal de televisão e uma das coisas que eu queria que falássemos era de como representamos a História na cultura popular e o uso da palavra começada por «p» é sem dúvida uma parte importante disso – disse a professora. - Para mim não faz sentido – disse a voz firme. Ifemelu virou-se. O cabelo da aluna que tinha falaldo estava cortado tão curto como o de um rapaz e a sua bonita cara magra e com a testa larga lembrou a Ifemelu os naturais da África de Leste que ganhavam sempre as corridas de fundo na televisão. - Quer dizer, «preto» é uma palavra que existe. As pessoas usam-na. É parte da América. Causou muita dor a muita gente e acho que é insultuoso substitui-la por um bip. - Bem, – disse a professora Moore, olhando à sua volta como se estivesse à procura de auxílio. Este veio de uma voz áspera no meio da sala. - Bem, é por causa da dor que a palavra causou que não se deve usar. - Não se deve projetou-se causticamente no ar, pronunciado por uma rapariga afro-americana com argolas em forma de bambu nas orelhas. - A questão é que, de cada vez que dizes a palavra, ela ofende os afro-americanos – disse um rapaz pálido, com o cabelo despenteado, que estava sentado na fila da frente. Ifemelu levantou o braço, estava a lembrar-se de Luz em Agosto de Faulkner, que tinha acabado de ler. - Não acho que ofenda sempre. Acho que depende da intenção e também de quem a estiver a usar. Uma rapariga que estava sentada ao seu lado, com o rosto muito corado, desabafou: - Não! A palavra é a mesma independentemente de quem a diga. - Isso é uma tolice. - A voz firme novamente. Uma voz sem medo. - A minha mãe bater-me com um pau e um estranho bater-me como um pau não são a mesma coisa. Ifemelu olhou para a Professora Moore para ver como tinha sido recebida a palavra «tolice». Ela não parecia ter reparado; em vez disso um vago terror estava a fixar-lhe a expressão num sorriso afetado. - Eu concordo que é diferente quando os afro-americanos a dizem, mas não acho que deva ser usada em filmes, porque dessa maneira as pessoas que não deviam usá-la podem usá-la e ofender outras pessoas – disse uma rapariga afro-americana de pele clara, a última das quatro pessoas negras na sala, que estava com uma camisola de um tom púrpura surpreendente. - Mas é como estar em negação. Se foi usada assim, devia ser representada assim. Escondê-la não a faz desaparecer. - A voz firme. - Bem, se vocês não nos tivessem vendido, não estaríamos a falar de nada disto – disse a rapariga afro-americana de voz áspera, num tom baixo que mesmo assim foi audível. A sala de aulas estava envolta em silêncio. Em seguida ergueu-se de novo aquela voz: - Desculpa, mas, mesmo que nenhuns africanos tivessem sido vendidos por outros africanos, teria havido o tráfico transatlântico de escravos na mesma. Era um empreendimento europeu. Tinha a ver com o facto de os europeus andarem à procura de mão de obra para as suas plantações.»
[Excerto retirado da obra "Americanah", de Chimamanda Adichie]
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