A Nova Ordem Económica: O Capitalismo da Vigilância [baseado na obra de Shoshana Zuboff]
- RockandRolla
- 24 de abr. de 2021
- 5 min de leitura
Atualizado: 7 de set. de 2021

Em 1949 George Orwell ofereceu ao mundo aquela que seria a distopia que mais se pareceria com a realidade do futuro. A verdade é que passado mais de meio século Orwell é dos autores mais invocados da atualidade, as parecenças entre o mundo que o autor inventou na sua famosa obra «Mil Novecentos e Oitenta e Quatro» e a nossa realidade são tantas que o livro voltou ao "Top dos Mais Vendidos" na maior parte das livrarias.
Fazendo uma comparação mais estreita, facilmente percebemos que perdemos a privacidade tal como o protagonista da história de Orwell, e a verdade que os media contam está repleta de fake news, a polícia do pensamento já se evidencia em algumas circunstâncias e o «Grande Outro» vê tudo o que fazemos, pensamos e sentimos.
Dito assim talvez a maioria dos humanos tenha vontade de usar aquela máxima do “mas eu não tenho nada a esconder”. Lamento, mas toda esta conjuntura não se limita a revelar segredos. Na verdade, os segredos individuais e particulares são a menor das preocupações e intenções da Google. A maior parte de nós tem algumas reservas na aceitação destas verdades, mas se espreitarmos um bocadinho por baixo da superfície dourada que o mundo digital enverga, conseguimos perceber o caminho sem retorno que já percorremos, e que continuamos a percorrer, sem sabermos muito bem para onde vamos.
Em 2019, a professora de Harvard Shoshana Zuboff lançou um livro intitulado «A Era do Capitalismo da Vigilância» onde também encontramos Orwell e, acima de tudo, encontramos uma explicação exaustiva e pormenorizada sobre como viemos aqui parar e para onde nos leva esta “distopia” maquilhada que é a realidade em que vivemos.
No início do século XXI formou-se um monopólio de empresas da Internet que engloba as 5 maiores empresas do setor: Google, Facebook, Microsoft, Amazon e Apple.
De forma a simplificar vou concentrar este resumo na metodologia da Google, a pioneira e pode dizer-se “criadora” do valor que hoje é atribuído ao «excedente comportamental».
«A Google foi criada sob a forma de sociedade anónima em 1998, fundada pelos alunos de licenciatura de Stanford Larry Page e Sergey Brin. Desde o início, a empresa incorporou a promessa do capitalismo de informação como uma força social libertadora e democrática. Imediatamente desde o início, os produtos residuais do comportamento foram arquivados sem preceito e ignorados a nível operacional. Foi Amit Patel, um jovem de Stanford, com interesse especial em «data mining» que apresentou uma perceção revolucionária sobre o aglomerado de dados acidentais da Google. Patel considerou que era possível construir histórias pormenorizadas de cada utilizador – os pensamentos, os sentimentos, os interesses, ao seguir os sinais desestruturados que acompanhavam todas as ações online - «um amplo sensor do comportamento humano» - uma inteligência artificial abrangente.»
Por outras palavras: a Google foi criada com a missão de «organizar a informação mundial e de a tornar universalmente acessível e útil» e com a promessa de que resgataria «a informação e o povo das garras das velhas instituições, permitindo-nos descobrir o que queríamos e quem, quando e como pretendíamos pesquisar e formar ligações».
O Search da Google torna-se então um dos mais poderosos mecanismos do capitalismo da vigilância, sem que a maior parte das pessoas que o começou a utilizar fizesse a mínima ideia de que não estava perante um simples motor de busca, mas sim perante uma nova e inédita lógica capitalista que se enraizou e que, hoje, passados vinte anos, domina o mundo digital e, por conseguinte, a nossa vida.
Às informações que o capitalismo da vigilância retira da nossa navegação online dá-se o nome de «excedente comportamental», dados comportamentais que se tornam matéria-prima crucial e exclusiva da Google na criação de um mercado dinâmico de publicidade online.
Aliado à inteligência artificial o “excedente comportamental” retirou à Google os problemas financeiros que se adivinhavam insustentáveis perante a sua relutância inicial em ceder à publicidade. No entanto, o excedente comportamental necessita de acumulação constante para realizar produtos preditivos, isto é, o excedente comportamental é a matéria-prima de uma inteligência automática que produz previsões acerca do que sentimos, pensamos e fazemos.
Ora, nada disto teria sido tão linear se a maior parte das pessoas que frequenta a Internet tivesse sabido à partida deste empreendimento que olha para nós como objetos que podem ser manipulados através de diversas técnicas que envolvem a modificação comportamental e a chegada ao poder de uma nova lógica social: o instrumentarismo.
O instrumentarismo é uma espécie de poder que conhece e modela o comportamento humano em nome de interesses alheios. Não recorre a armamento nem a exércitos, o seu poder está imiscuído numa “arquitetura computacional ubíqua” composta por dispositivos, elementos e espaços “inteligentes” ligados em rede.
A lógica do poder instrumentarista: uma ordem económica baseada na vigilância - uma economia da vigilância;
Os meios de produção do poder instrumentarista: a transformação das nossas vidas em dados comportamentais que consequentemente atribuem a outrem um maior controlo sobre nós - a inteligência automática depende da quantidade de dados que devora e só alcança o seu pleno potencial de qualidade quando se aproxima da totalidade;
Os produtos do poder instrumentarista: o excedente comportamental, transformado pela inteligência automática em produtos preditivos que se dedicam a prever o que sentimos, pensamos e fazemos.
O mercado do poder instrumentarista: os produtos preditivos são vendidos num novo tipo de mercado que comercializa exclusivamente o comportamento futuro – qualquer agente interessado em comprar informação probabilística sobre o nosso comportamento e/ou influenciar o nosso comportamento futuro consegue pagar para intervir nos mercados em que o comportamento dos indivíduos, grupos, corpos e coisas é adivinhado e vendido.
Segundo Shoshana Zuboff, há um motivo para que tenhamos medo deste novo poder que começa a alastrar no tamanho dos tentáculos com que nos prende. Muita coisa ficou por dizer neste pequeno resumo do magnifico livro que a cientista social nos ofereceu para nos proteger da «tendência para o torpor psíquico [que] aumenta se os temas críticos aqui examinados não passarem de abstrações relacionadas com forças económicas e tecnológicas fora do nosso alcance. Não entendemos plenamente a gravidade do capitalismo da vigilância e das suas consequências sem vermos as cicatrizes que deixam na pele do nosso quotidiano.»
Para finalizar, deixo aqui um conjunto de objetos e elementos que atualmente nos vigiam e/ou compram dados comportamentais a nosso respeito: frigoríficos, aspiradores, colunas de som, assistentes pessoais digitais, automóveis, telefones, sistemas eletrónicos em rede, televisões, seguradoras, supermercados, qualquer aplicação de compras, sites diversos, autoridade tributária aduaneira, serviços sociais, GPS's, restaurantes, etc. etc. etc.
Um dos melhores livros do ano para mim.
Obrigada Shoshana.
Teresa Rolla
[Todos os excertos presentes no texto foram retirados da obra de Shoshana Zuboff, A Era do Capitalismo da Vigilância - A Disputa por Um Futuro Humano na Nova Fronteira do Poder]
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